Eram sete e meia da manhã. Adriano pegou um cigarro que estava encostado no criado-mudo e o acendeu. Sabia que este seria mais um dia duro.
Levantou-se, e com a mesma mão que chacoalhava para fugir das cinzas ainda rubras que caíam por todo seu apartamento apanhou a colher e pôs-se a fazer seu café. Ah, o café. Adriano sabia que só assim ele conseguia acordar.
Depois disso, ligou o chuveiro elétrico que teimava em falhar de vez em quando, e o deixou esquentando. Fazer uma espécie de sauna no banheiro era sua prática favorita pela manhã.
Depois disso foi até a portaria pegar seu jornal pra poder se inteirar das inúmeras desgraças humanas. Ao voltar, abriu a porta do banheiro e entrou em meio ao vapor para sua higienização.
Quando saiu do banheiro, ainda com a toalha amarrada à cintura, tomou um susto. Patrick, seu cachorro (um filhote de buldogue metido a dono da casa) havia deixado um presente bem em seu caminho ao quarto.
Adriano deu seu famoso grito - Patrick! - e o cachorro logo apareceu com o rabinho entre as pernas.
Ele sabia que ia levar uma bronca daquelas e esperou pacientemente por isso.
Educá-lo já não parecia mais adiantar. Todos os dias ele aprontava alguma com o dono. Quando não era uma necessidade fora do jornal, era papel rasgado por todo o apartamento, ou até quando o baixinho não quebrava alguma peça antiga dada pela mãe do rapaz.
Depois de tudo limpo, era hora de se trocar e sair. O momento de maior demora era para arrumar o cabelo. Como Adriano tinha vaidade com o cabelo, era gel, penteia pra cá, penteia pra lá, joga o pente na pia, passa a mão pra deixar um topetinho até que - Vualá - o cabelo está pronto pra mais um dia.
Anotou em uma folha rasgada três endereços, como era de costume fazê-lo e pegou sua pasta pré-preparada para a ocasião rotineira.
Quase perdeu o ônibus, mas conseguiu correr a tempo e tomar uma bronca do motorista, que já o conhecia. O cobrador perguntou - E hoje Dri? Vai ou não vai? - Sua resposta foi seca e desmotivada - A vida é dura Murilão, a vida é dura!
Meia hora depois, desceu do ônibus e encontrou um escritório que não parecia ir muito bem. Na fachada uma placa com apenas um nome:
Cláudio Medeiros da Fonseca
Arquitetura & Design de Interiores
Adriano ainda ficou algum tempo encarando aquele nome e entrou. O próprio Cláudio o recepcionou e disse - Estava a sua espera Adriano, vamos entrando.
Ele ainda um pouco nervoso entrou em sua sala e Cláudio o perguntou:
- Então, deixe-me ver seu currículo. Você trabalhou há quanto tempo neste último escritório?
- Dois anos e meio. Saí no começo deste ano, e desde então tenho procurado algo que se pareça com este ramo. Por isso vim falar com você. - respondeu ainda tenso.
- Quais são suas qualidades? - a pergunta vinda lentamente de Cláudio o assustou um pouco
- Sou bem criativo, gosto de enxergar primeiramente o todo, e só assim vou detalhando o que pode ser visto.
A conversa se alongou por mais um instante, até que a resposta veio na mesma hora:
- Olha Adriano, como você vê, trabalho praticamente sozinho por aqui, e chamar alguém seria algo que mudaria muito o rumo de meus negócios. Considerei inicialmente que isso seria viável, mas infelizmente não posso te contratar agora.
Adriano, já esperando esta resposta o agradeceu e foi em direção às duas próximas paradas. O resultado foi o mesmo e ele já estava se acostumando a ouvir não.
Ao voltar pra casa sentiu um vazio, pois sabia que Patrick era seu único companheiro naquele momento. Ele encheu a vasilha de ração e foi cozinhar a comida, que já não era mais tão farta quanto antes. Ainda havia um pouco do dinheiro que lhe assegurou uns meses após ser despedido de seu último emprego.
Acendeu um cigarro e ficou deitado na cama, pensando no que podia estar dando errado pra ele.
Mais um dia se passou na vida de Adriano. Mais um longo dia. Mas amanhã, é dia de acordar cedo e repetir a dose. Quem sabe amanhã? Quem sabe?
2 comentários:
22 de setembro de 2010 às 16:34
Que baixo astral!!!!
Nao gostei nao...
6 de novembro de 2010 às 15:40
Adorei.
As palavras que definem a sombra.
E é bom tanto quanto as palavras que definem a luz.
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